Por Rodrigo Miranda*
Neste ano de 2020 enfrentamos uma das maiores crises globais desde o fim da Segunda Guerra. Fomos obrigados a alterar nossos hábitos, rotinas e a forma de socializar. Com isso, consequentemente, estamos mudando nossas economias, nossas políticas públicas e nossa forma de trabalhar.
Para além da questão sanitária e biológica, todas estas mudanças possuem a inovação como algo em comum.
A inovação está presente nas plataformas de streaming que nos divertem nos momentos de lazer, ou na praticidade de pedir comida sem sair de casa, ou ainda nas videoconferências que têm permitido a várias empresas manterem suas atividades. A venda através de canais digitais (e-commerce) cresceu mais de 80% nas últimas quatro semanas, acelerando um hábito que já vinha se difundindo gradativamente no Brasil.
A inovação também está em temas mais complexos, graves e urgentes, como o mapeamento genético do novo coronavírus, para que cientistas do mundo todo possam desenvolver vacinas e medicamentos contra esta doença. Está na Inteligência Artificial (IA) utilizada para a identificação e geolocalização de pacientes infectados; em decisões médicas para priorização de pacientes nas UTIs; em robôs autônomos utilizados para desinfecções de áreas ou entrega de medicamentos.
Enfim, são diversos exemplos que vemos diariamente de mudanças que estão ocorrendo, e neste movimento nossas políticas públicas devem mudar, ajustando-se às necessidades do novo momento. Os Governos devem, sim, focar suas atenções em ações que possibilitem a sobrevivência das empresas, e aumentem a competitividade delas, criando políticas públicas que venham a facilitar e incentivar o desenvolvimento de inovações.
Recentemente, o IBGE divulgou a Pesquisa de Inovação (PINTEC), referente ao triênio 2015 e 2017, demonstrando que houve redução considerável do número de empresas que investiram em inovação neste período, quando o Brasil enfrentou uma grave crise política e econômica. Foram cerca de 40 mil empresas realizando algum tipo de inovação em produtos ou processos, no período – uma redução de 2,4% em relação ao triênio anterior. Esta redução resulta em perda de competitividade perante empresas estrangeiras, aumento do desemprego e maior dificuldade do país em superar a crise.
Inovação, Leis de Incentivo e Crise: entenda porque a mudança da Lei do Bem é urgente
São as inovações que farão as empresas sobreviverem, que permitirão uma retomada mais acelerada da economia e a criação de novos empregos – ou neste momento, a manutenção destes.
O Brasil conta, hoje, com um excelente instrumento público de incentivo à inovação tecnológica, que é a Lei do Bem. Trata-se de um benefício fiscal já consolidado no país, vigente desde 2005 e inspirado em leis de incentivo à inovação existentes em dezenas de outros países, que gerou em 2017 uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 1,7 bilhões para cerca de 2.000 empresas, muitas vezes motivando multinacionais a trazerem seus centros de pesquisas globais para o Brasil. Porém, este montante representa apenas 5% das empresas inovadoras, segundo a PINTEC 2017.
É, portanto, um valor irrisório e que demonstra a dificuldade das empresas brasileiras em acessar recursos públicos destinados à inovação. A título de comparação, a França, país onde surgiram os incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento, concede anualmente cerca de 6,5 bilhões de euros (aproximadamente R$ 36 bilhões no câmbio atual) a 23 mil companhias.
Algumas das restrições que impossibilitam milhares de outras empresas brasileiras de também se beneficiarem e olharem para o desenvolvimento de inovação como algo estratégico, são a limitação do uso do incentivo a empresas tributadas no regime de Lucro Real – com apenas uma pequena parcela das empresas brasileiras aderentes a este regime – e necessidade de ocorrência de lucro fiscal para que seja feita a dedução tributária.
Num momento como o atual, onde a saúde financeira das empresas está seriamente ameaçada, mas em que simultaneamente a demanda por atividades de inovação e seus respectivos investimentos são avultados, a exigência de lucro para a tomada deste benefício é incoerente.
Inovação, Leis de Incentivo e Crise: porque a mudança da Lei do Bem é urgente
Frente a este cenário, a GAC Brasil, em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI) e o Laboratório de Gestão de Tecnologia e Inovação do DPCT/IG da Unicamp, liderado pelo Prof. Ruy Quadros, convidaram cerca de 200 empresas a exporem suas visões sobre a Lei do Bem e a proporem melhorias que lhes permitam ter mais “fôlego” para investir em inovação e ultrapassar esta crise de forma mais célere.
Cerca de 20% das empresas consultadas não fizeram uso da Lei do Bem nos últimos 3 anos por diversos motivos, como o não conhecimento da Lei, prejuízo fiscal no período, ou não cumprimento de alguns dos demais pré-requisitos.
Uma quase unanimidade, como já esperado, foi a sugestão de possibilidade de se beneficiar deste incentivo fiscal mesmo em anos de prejuízo contábil apurado, permitindo sua compensação em anos posteriores. A justificativa mais comumente apresentada para isso foi que, mesmo em anos de prejuízo fiscal, as empresas não deixam de investir em P&D, já que estes investimentos contemplam projetos de médio e longo prazos.
Além desse ponto principal, entre as outras sugestões, destacam-se:
- Maior celeridade por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) na avaliação dos relatórios de prestação de contas enviados pelas empresas (FORMP&D). Em referência ao ano-base 2015, o Governo demorou quase 3 anos para divulgar os resultados, e embora nos anos-base de 2016 e 2017 este prazo tenha sido reduzido para cerca de 2 anos, ainda é um período muito longo, que causa enorme insegurança jurídica para as empresas. Algumas desistiram de recorrer ao incentivo por este motivo;
- Sugestão de que o MCTI poderia adotar um sistema de sinalização/informação do estágio atual das análises dos projetos e dispêndios, estimando prazos para a conclusão do processo;
- A falta de divulgação adequada também foi mencionada, sobretudo quando comparada a outras Leis de Incentivo Federais, como a Lei Rouanet;
- O formato de cálculo do incentivo fiscal, onde as empresas consideram ser imprescindível o aumento do percentual do incentivo concedido e a possibilidade de contabilização de outros dispêndios inerentes à atividade de P&D.
Fica claro, portanto, que passados 15 anos da publicação da Lei 11.196, a Lei do Bem precisa se adequar às mudanças ocorridas e também inovar, buscando atrair um número maior de empresas para atividades de P&D e se tornar, efetivamente, um instrumento legal com o qual as empresas saibam que possam contar para compartilhar o risco de inovar.
Não existe momento mais oportuno para estas mudanças do que o atual, em que vários fatores – o Covid-19, a crise econômica e a transformação digital – se somam para impulsionar as empresas a serem ainda mais inovadoras.
*Diretor de Operações da GAC Brasil